No caminho para Emaús, dois discípulos andavam confusos, tristes, tentando compreender os últimos acontecimentos que abalaram sua fé. Eles falavam sobre a realidade que conheciam — morte, frustração, incerteza — sem perceber que o próprio Cristo caminhava ao lado deles. Seus olhos estavam fechados, não por falta de informação, mas por falta de compreensão espiritual. Foi quando Jesus, revelando as Escrituras, lhes abriu os olhos e os corações.
Essa cena bíblica nos oferece uma poderosa metáfora para o tempo presente. O teólogo suíço Karl Barth, no século XX, resumiu essa tensão com a célebre frase: “É preciso ter a Bíblia em uma mão e o jornal na outra.” Hoje, poderíamos atualizar essa imagem: a Bíblia em uma mão, e na outra, o celular com redes sociais, portais de notícia, mensagens em grupos e conteúdos gerados por inteligência artificial.
Se antes o jornal representava o mundo e suas informações, hoje somos bombardeados por dados, manchetes, opiniões e desinformação em tempo real. Vivemos entre verdades distorcidas, fake news, guerras políticas travadas em telas e algoritmos que moldam nossa visão da realidade. Nesse cenário de excesso de vozes, o risco é o mesmo dos discípulos de Emaús: andar pela vida sem perceber a presença de Cristo, sem discernimento, confusos pelo ruído da informação sem sabedoria.
Para Barth, a teologia não pode se isolar do mundo — ela precisa dialogar com ele. A Bíblia continua sendo a fonte da verdade revelada, o olhar que ilumina, questiona e confronta a realidade. Mas é preciso ler essa realidade com responsabilidade: questionando, discernindo, filtrando, buscando justiça, compaixão e verdade. Não basta repetir versículos: é preciso entender o mundo em que vivemos para aplicar a fé de forma viva, coerente e transformadora.
A fé cristã não se fecha em templos — ela caminha pelas estradas do nosso tempo. E para caminhar com lucidez, é preciso, mais do que nunca, equilibrar a Palavra de Deus com um olhar crítico sobre o mundo. É nesse equilíbrio — entre a eternidade da Escritura e a urgência da realidade — que o cristão pode, como os discípulos de Emaús, ter os olhos abertos e o coração ardendo novamente.
